Aproveitando a polêmica que lancei sobre a abertura de Dan Da Dan, venho indicar o canal Anime Ken Tv que, por sua vez, analisou a abertura. Ele é músico profissional e é especialista em guitarra! Se clicar e gostar do vídeo, se inscreva lá e faça-o crescer! E, de forma inesperada, um youtuber japonês fez um vídeo essa semana desabafando sobre a solidão no Japão. O vídeo mostra que a crise da masculinidade, veja texto de segunda-feira da semana passada, está afetando o Japão com muita força. Samurai Daddy é casado, com filho, e se sente sozinho e solitário, muito por conta da confusão de papéis que vivemos hoje em dia. É um relato que confirma e aprofunda o tema da crise. Assistam!
Imaginem vocês, amigos se ofendendo por causa de spoilers;
pessoas sendo ofendidas em fóruns por causa de um spoiler. É uma guerra que se
perpetua e, recentemente, vi muitas empresas vindo à público para se
desculparem por causa disso. Eu lembro de muitos fatos de minha infância, e um
se encaixa perfeitamente nesta questão. Não existia internet decente no Brasil,
na época em que a Manchete passava Cavaleiros do Zodíaco, então, para sabermos
de novidades era preciso ler revistas especializadas (Heroi e Henshin, por
exemplo). Em uma destas revistas, eu li todos os detalhes da saga de Hades
antes da chegada dos quadrinhos (mangás) ao Brasil. Fiquei empolgado com a
participação dos Cavaleiros de Ouro e isso não diminuiu o meu prazer pela
leitura do clássico, quando o mesmo fora lançado no Brasil. Ao acompanhar a
saga, eu fiquei muito feliz ao ler e reconhecer cada fato que eu já conhecia
previamente. Outro exemplo que dou é com o filme 13º Guerreiro, pois vi e revi
este filme mais de 10 vezes e ele sempre me satisfaz, mesmo tendo memorizado,
inclusive, os diálogos mais importantes. Eu acredito que essa discussão vai
além da comunidade nerd, embora esta comunidade em questão parece estar
prisioneira deste embate. Por isso, decidi escrever este texto com base em
pesquisas que encontrei.
Existem os que detestam spoilers e os que toleram. Os que
detestam spoilers salientam que isso estraga o prazer de se ver uma série. Pode
até acabar com a série. Fui buscar experimentos e pesquisas acadêmicas e
encontrei algumas que deixo aqui. Um Estudo da Universidade da Califórnia, San
Diego (Departamento de Psicologia) afirma: “People
who flip to the last page of a book before starting it have the better
intuition. Spoilers don’t spoil stories. Contrary to popular wisdom, they
actually seem to enhance enjoyment.” O doutor em psicologia afirma em seu
estudo: “that once you know how it turns
out, it’s cognitively easier – you’re more comfortable processing the
information – and can focus on a deeper understanding of the story”.
O interessante em uma pesquisa científica é que ela pode ser
repetida por outros pesquisadores, pois segue procedimentos que podem ser
repetidos pela sociedade acadêmica. Deste modo, o estudo acima foi repetido
pelo professor (pós-doutorado) Benjamin K. Johnson, do Department of
Communication Science, VU University Amsterdam, De Boelelaan 1081, 1081 HV
Amsterdam, The Netherlands. Em sua pesquisa chamada “Spoiler Alert Consequences of Narrative Spoilers for Dimensions of Enjoyment,Appreciation, and Transportation” ele consegue resultados que batem com o
estudo de 2011. Embora tenha achado algumas diferenças, o doutor conclui que
spoilers não produzem impacto significante na audiência e tudo depende da
experiência individual. Ele conclui a pesquisa afirmando: “The present results account for earlier findings by demonstrating that,
depending on an individual’s personality traits, a spoiler can have
differential effects on enjoyment of, or even one’s desire to read, a
narrative. Furthermore, the larger finding that the interactions between
personality traits and spoilers do not have similar impacts on selective
preference and enjoyment indicates there are distinct processes at play when
selecting versus reading a story. The
impact of spoilers on the audience’s experience is thus somewhat
individualized, and spoilers do not have a universally positive or negative
impact on the audience’s experience.(...). In short, personality traits
interact with spoilers to impact the audience experience, and future research
can continue to unravel how individual differences affect audience responses to
entertainment spoilers”.
Ano passado, a Netflix entrou nessa questão. Eles fizeram
uma pesquisa
da seguinte maneira: “This survey was
conducted online within the United States between August 6 and 8, 2014 among
2,023 adults aged 18 and older by Harris Poll on behalf of Netflix via its
Quick Query omnibus product. Figures for age, sex, race/ethnicity, education,
region and household income were weighted where necessary to bring them into
line with their actual proportions in the population. Propensity score
weighting was used to adjust for respondents propensity to be
online.” E o que eles descobriram?
Isso: “In the past, viewers might have
gotten angry. Now, they're more pragmatic when it comes to spoilers, which have
in essence become teasers. With everyone watching TV shows at different times,
76% of Americans say spoilers are
simply a fact of life. In fact, almost all of them (94%) say that hearing a
spoiler doesn’t
make them want to stop watching the rest of a TV series. And 13% report that a
spoiler actually makes them more interested in a show they hadn’t seen or weren’t planning to watch”. (Grifo
meu)
Caso prático
Vamos a um exemplo prático. A final do MasterChef (Band)
teve um spoiler amplamente divulgado quanto ao nome da vencedora. Como mostra
reportagem do site da rádioTransamérica: “De acordo com a publicação (Agora São Paulo), o publicitário
Raul ficará com o segundo lugar, perdendo o posto de MasterChef para Izabel.” Rapidamente,
muitos já sabiam o resultado final da competição, porque o Agora São Paulo
possui boa visibilidade e bom número de visualizações. Além disso, a rádio
Transamérica, ao divulgar esta nota acabou, também, colaborando para distribuir
e melhor divulgar este spoiler gigantesco.
E agora? Se quem detesta spoiler estivesse certo, com
certeza o ibope da final teria sido baixo, porque as pessoas perderiam o
interesse, afinal, já sabiam o resultado da final. Nas palavras de Patrícia Kogut; “A final do “MasterChef”, exibida
das 22h38m às 1h18m, teve recorde de audiência, com média de dez pontos. É
muito, dados a duração e o horário da atração, que avançou pela madrugada. Um
índice que a Band raramente fatura.”
E o pessoal movimentou o twitter também. Segundo MSN:
“Em uma ação inédita, a direção do
programa anunciou o resultado primeiro no Twitter. Os internautas foram brindados
com o anúncio em primeira mão como forma de agradecimento pelo sucesso do reality
culinário na rede social. Para ter uma ideia, somente na final foram mais de
1,6 milhão menções ao projeto no microblog deixando a atração em primeiro lugar
nos Trending Topic mundial durante horas”. Apesar da descoberta da vencedora do programa, isso não
afetou nem a audiência e nem a interação, ou divertimento, de quem assistiu.
Aliás, o interesse aumentou.
Vamos a mais um exemplo? O que dirá, então, de filmes que
vazam na internet? Afinal, quer maior spoiler do que um filme estar todo ele
disponível na rede, antes de seu lançamento oficial? X-Men Origins: Wolverine caiu na rede e teve mais de 4 milhões de downloads antes
de seu lançamento. Muito provavelmente, algum vizinho baixou e contou os
detalhes para outros, mas, mesmo assim, foi um fracasso? Não! Rendeu quase 180
milhões de dólares nos EUA e mais 193
milhões no resto do mundo.
Leiam mais aqui: Quando um filme cai na web antes de estrear no cinema. Revista Época! Veja que não
existe relação entre “saber algo previamente sobre uma atração e seu
divertimento estar arruinado”, aliás, na reportagem da Revista Época, podemos
tirar outro exemplo de como spoilers podem ser benéficos. No caso de Tropa de
Elite, o pessoal que assistiu antes elogiou tanto, que beneficiou o lançamento
do filme nos EUA (leiam clicando no link em destaque acima).
Os censores do
Spoiler e o Direito Brasileiro
Spoiler pode ser definido como uma revelação de partes de um
enredo, ou seu todo, ou seja, é fruto da comunicação e da expressão escrita ou
verbal. Alguém que tenta informar algo sobre alguma coisa. Um processo da
informação. Sendo fruto da comunicação, proibi-lo é impedir a livre expressão
do interlocutor. Quem impede a liberdade de expressão e, portanto o spoiler, é
um censor. A ministra Carmen Lúcia (STF) assim descreve a ação maligna do censor: “Censura é forma de controle da informação. Alguém, que não o autor do
pensamento e do que quer se expressar, impede a produção, a circulação ou a
divulgação do pensamento ou, se obra artística, do sentimento. Enfim,
controla-se a palavra ou a forma de expressão do outro. Pode-se afirmar que se
controla o outro. Alguém – o censor – faz-se senhor não apenas da expressão do
pensamento ou do sentimento de alguém, mas – o que é mais – controla-se o
acervo de informação que se pode passar a outros”.
Se os censores fazem
isso com empresas, o que dirá com o indivíduo. E isto está errado, pois mexe
com o direito de informar e de se informar, isto é, o direito que o indivíduo
tem de se informar sobre assuntos relacionados com o universo que ele deseja
acompanhar. Este direito, como afirma a ministra em seu voto: “relaciona-se à liberdade de buscar a
informação em fonte não censurada e sobre qualquer tema que se revele de
interesse do cidadão. Coartar a busca livre de assunto ou em fonte circunscrita
antecipadamente significa limitar a liberdade de obter dados de conhecimento
para a formação de ideias e formulação de opiniões. O direito fundamental
constitucionalmente assegurado compreende, pois, a busca, o acesso, o
recebimento, a divulgação, a exposição de dados, pensamentos, formulações,
sendo todos e cada um responsável pelo que exorbitar a sua esfera de direitos e
atingir outrem”.
Parte do voto impresso da Ministra Carmen Lúcia |
E a liberdade de expressão é fundamental para se manter uma
sociedade. É tão importante que faz parte de convenções e tratados
internacionais. É tão importante, que ninguém, exceto censores, cogita tentar
calá-la. Carmen Lúcia: “O direito à
liberdade de expressão – transcendendo o cogitar solitário e mudo e permitindo
a exposição do pensamento - permeia a história da humanidade, pela
circunstância mesma de ser a comunicação própria das relações entre as pessoas
e por ela não apenas se diz do bem, mas também se critica, se denuncia, se
conta e reconta o que há de vida e da vida, da própria pessoa e do outro,
fazendo-se a arte exprimindo-se o humano do bem e do mau, da sombra e do claro.
E forma-se pela expressão do que é, do que se pensa ser, do que se quer seja,
do que foi e do que se pensa possa ser a história humana transmitida. Afinal,
no princípio é o Verbo. Encarna-se a vida no Verbo. E o verbo faz-se carne e
torna-se vida”.
Defender a liberdade de expressão em seu todo é defender
aquele que informa, que busca a informação e, portanto, mantêm a sociedade
através do debate e a alimenta com recursos.
Conclusão
A conclusão que eu chego é que spoilers não estragam a
história, entretanto, a população está dividida e em guerra por causa disso.
Como foi mostrado pelas pesquisas, o temor que uma série amada fracasse, por
causa de spoiler, é sem fundamento. Já a pesquisa da Universidade de Amsterdam
nos indica que o processo de aprendizagem individual deve ser respeitado, ou
seja, se uma pessoa não gosta de spoiler, ela deve ser respeitada. A que gosta
de spoiler também deve ser respeitada. Desta forma, acredito que devemos
combater e estimular:
O que combater
O que se deve combater é a figura do censor, ou seja, a
pessoa que tenta controlar a outra, pois isso fere a liberdade de expressão e a
busca pela informação. Impedir que uma pessoa dê um spoiler, ou busque um spoiler,
é contra a realização plena da comunicação e contra tratados internacionais que
nos garantem o direito à informação e a liberdade de expressão.
O que estimular
Estimular o respeito. Se a pessoa não gosta de spoiler, que
seja respeitada. Se a pessoa gosta de spoiler, que seja respeitada também.
Afinal, não existem vilões (com exceção da figura do censor), apenas pessoas
tentando interagir sobre um determinado assunto. Vamos, portanto, nos
respeitar. Se o respeito não for
obedecido, como diz a ministra, cabe a advertência adequada ao desvio de
conduta. Agora, se você fica paranoico por causa de spoilers, ao ponto de agredir um amigo, é hora de procurar ajuda.