Um pouco de história para entender melhor o enredo cristão em animês. É rapidinho. A influência cristã deu-se com a chegada dos portugueses ao Japão, em 1542, e o jesuíta Francisco de Xavier em 1549. O siteOtakismoassim comenta esse período:
“É fato conhecido que Portugal, até então dono do monopólio comercial marítimo, foi o primeiro país europeu a entrar em contato com o Japão ainda no século XVI com dois objetivos declarados, comerciais e religiosos, na ânsia de reverter o estrangulamento comercial do Mediterrâneo e cristianizar os novos mundos. Fluíram para o solo nipônico uma infinidade de mercadores lusitanos e missionários da Companhia de Jesus”.
Aliás, como comunicador social me encanta ver como a presença portuguesa, principalmente do jesuíta Xavier, propagou na Europa a imagem do Japão. Assim escreve, em tese de doutorado, João Paulo A. Oliveira e Costa.
“Com efeito, as cartas dos missionários do Japão provocaram desde cedo uma considerável actividade editorial. As cartas escritas por Xavier em Kagoshima, foram impressas na Europa assim que chegaram, primeiro em Coimbra, logo em 1551, e no ano seguinte em Roma e Veneza. Em 1554, textos com referências ao Japão foram incluídas pela primeira vez numa obra laica, a segunda edição das Navigationi et viagi de Ramusio. Em 1555 era dada à estampa em Coimbra uma nova colectânea de cartas em que se incluíam novas informações sobre o Japão, que foram impressas logo no ano seguinte em Roma e em Barcelona.”
A influência foi benéfica ao povo japonês, com várias contribuições dos religiosos. Diferente do que se ensina na escola, a contribuição dos religiosos foi determinante para a evolução do pensamento racional, como nos mostra este texto do Otakismo:
“Os jesuitas eram intelectuais, a despeito da visão deturpada que temos da ciência nos tempos áureos de Igreja Católica (...) Esses padres pensadores, como deixa claro o livro de Yamashiro anteriormente citado, apresentaram aos japoneses a visão de mundo ocidental, como o racionalismo, o empirismo e o humanismo, que exerceram enorme influência no pensamento nipônico, ainda preso às visões de mundo tradicionais e míticas dos chineses e indianos. Os japoneses, através dos jesuitas, ‘encontraram, ainda, pela primeira vez, uma concepção sistemática da natureza como objeto definido do conhecimento humano’. E essa postura científica é sim derivada da religião, pois o Cristianismo, como os gregos, crê num universo ordenado, passível de observação e mensuração pela lógica humana”.
Mas nem tudo foi tão benéfico assim. A presença dos cristãos promoveu uma reviravolta religiosa-política no poder soberano. Com muitas conversões e novas ideologias, um mundo todo se abria para o povo japonês. Obviamente, essa revolução no pensamento teve consequências ruins, pois, como explica João Paulo:
“Conforme reconhece Derek Massarella, o Cristianismo, ainda que fosse uma pequena fonte de oposição, pelo menos em termos quantitativos, era ‘um credo estranho que [...] pôs em causa a ordem social’. Mary Elisabeth Berry salienta, a este propósito, que as guerras em Kyûshû haviam ganho, por vezes, uma dimensão cruzadística; segundo esta autora, o édito de 1587 constituiu um ataque directo à Igreja, que procurava impedi-la de se tornar num potentado. Por isso, Hideyoshi comparava então os cristãos às seitas budistas que ele e Nobunaga haviam destruído.”
A situação se agrava, como explica o siteCultura Japonesa.
“O japonólogo Georges Busquet esclarece que “a nova religião tornou-se o laço político dos feudais que lutavam contra o poder central que o Taiko-Sama (governante) e os sucessores se esforçavam por concentrar nas mãos”. Busquet afirma que “o nome cristão tornou-se sinônimo de rebelde... o cristianismo ameaçava criar um Estado dentro do Estado”. Além disso, os jesuítas portugueses se rivalizavam com os franciscanos espanhóis envolvendo questões políticas e pessoais.”
Sendo assim, Hideyoshi proíbe o culto cristão em 1587. Daqui em diante eu deixo a história de lado, pois vai iniciar-se um período de perseguição política-religiosa e muitos cristãos morrerão. Mas esse trecho era essencial para definir os traços de religiosidade cristã em animês. Eu já havia percebido que, salvo poucos enredos, a religiosidade cristã sempre foi retratada de forma rebelde.
1.0- Ora representando um poder avassalador e temido que destruirá o Japão. Fazendo uma alusão à organização da sociedade japonesa que é xintoísta e budista. Aqui vemos esse traço em Evangelion, onde anjos enviados por um Deus, estão tentando destruir Neo Tokyo.
2.0- Ora são retratados como rebeldes, assim como definiu Georges Busquet, e podemos ver em um arco de Samurai X em animê.
3.0- A confusão entre protestantes e católicos também é tema de animês, principalmente a luta entre estes grupos em Hellsing.
4.0- Os anjos também foram retratados em Cavaleiros do Zodíaco. Aliás, Hyoga representa a cristandade em CDZ. Uma pessoa introvertida, fria e com grande apego familiar (mãe), embora nunca o tenhamos visto praticando rituais religiosos cristãos, a não ser o rosário da mãe dele, que ele carrega consigo.
Mas nem tudo está perdido para aqueles que almejam ver a fé cristã retratada de maneira diferente.