Aproveitando a polêmica que lancei sobre a abertura de Dan Da Dan, venho indicar o canal Anime Ken Tv que, por sua vez, analisou a abertura. Ele é músico profissional e é especialista em guitarra! Se clicar e gostar do vídeo, se inscreva lá e faça-o crescer! E, de forma inesperada, um youtuber japonês fez um vídeo essa semana desabafando sobre a solidão no Japão. O vídeo mostra que a crise da masculinidade, veja texto de segunda-feira da semana passada, está afetando o Japão com muita força. Samurai Daddy é casado, com filho, e se sente sozinho e solitário, muito por conta da confusão de papéis que vivemos hoje em dia. É um relato que confirma e aprofunda o tema da crise. Assistam!
Este site está moribundo e
eu não planejava usá-lo novamente, mas o Deus Hermes tem seus desígnios e os
poetas devem segui-los. Eu me deparei com um problema que Graciliano Ramos
resolveria em 140 caracteres, com uma resposta perfeita, mas eu não poderia
fazê-lo desta forma. Devo me afogar em rascunhos e textos para responder ao
desafio que me foi imposto por uma pergunta. Explico no parágrafo seguinte.
No twitter, eu redirecionei
para uma matéria do Estadão sobre cursos para escritores que estão proliferando
nos EUA e iniciei um bom debate com um amigo. No final das contas, quando usei
como exemplo Graciliano Ramos, e um dos seus ensinamentos literários, este meu
amigo lançou-me o desafio: “E Graciliano Ramos não se ‘fez’ sozinho?”
Deus meu, esta questão
tornou-se de difícil resposta para meros 140 caracteres! Quisera eu ter a
destreza dos cortes que Graciliano Ramos possuía, e fazer a minha resposta
caber dentro daquele espaço. Não sou Graciliano Ramos, infelizmente, pois se o
fosse, já teria respondido de maneira sucinta ao que me fora perguntado. Vamos
lá, chega de firulas que tanto enervavam o grande mestre Graça.
O “se fazer sozinho” implica
inúmeras formas, quais sejam, o de sua formação, de sua carreira e, ou, o de
seu estilo. Seja como for, Graciliano Ramos teve influências em sua obra, em sua
construção, e em sua escrita, e eu pretendo demonstrar apenas algumas delas
para afirmar que mesmo o grande mestre não se fez sozinho.
Em meu texto, “Aescrita não é um ato isolado” afirmei que achar que uma pessoa, ao
escrever, está sozinha, é um erro normal. O fato é que, ao escrevermos algo,
estamos dando vida ao interior. Um interior moldado por outras pessoas, ou
seja, outras vozes (palavras) que falam através de você. Ao ler um texto, e
colocar no papel alguma palavra, você está abraçando aquele autor, dando voz às
palavras que saíram do coração dele. Isso fica claro na obra de Graciliano
Ramos.
Na vida pessoal, no seio
familiar!
No seio familiar, afirma
Katia Dutra para o site Redes (EditoraModerna- em 27 de outubro de 2011), Graciliano forjou-se sobre a mão pesada
de seu pai. Segundo ela: “Seu pai, um
homem violento, acreditava que os filhos deveriam ser corrigidos com surras e
espancamentos. Esse comportamento do pai influenciou as ideias de Graciliano
Ramos, que, ao longo da vida, acreditava que todas as relações humanas se movem
pela violência. Em suas obras, o pessimismo e a falta de caráter dos
personagens refletem um autor que desacredita nas boas intenções dos indivíduos.”
Murilo Mendes em introdução
ao livro “FolhaExplica (coleção)- Graciliano Ramos”, de autoria de Wander Melo Miranda,
afirma que o autor incorporou sua experiência pessoal em seus trabalhos. “Mas, à medida que avançamos na leitura de
livros como Angústia (1936) ou Infância (1945), nos quais traços da
personalidade do autor e episódios de sua vida pessoal aparecem fortemente
marcados --pela via da ficção ou da autobiografia--, nossa expectativa se
transforma”.
Entretanto, a infância de
Graciliano não foi das piores, graças a uma pessoa que o ajudou. Lembrem-se
sempre que o livro é o melhor professor que há. Aqui surgi o Graciliano como
leitor: “O tabelião Jerônimo Barreto,
possuidor de uma biblioteca particular em Viçosa, facilitou ao pequeno
Graciliano o acesso aos livros. O Guarani, de José de Alencar, segundo Márcia,
parece ter sido o primeiro livro que o autor de Vidas Secas leu. A partir dessa
experiência, acompanha-se o seu envolvimento com as obras de carregação, a
intimidade com personagens de folhetim. Chama atenção, por outro lado, a
influência de Mário de Andrade, literato e espécie de professor substituto, no
que diz respeito à leitura da prosa naturalista, das obras de Coelho Neto, de
Aluízio de Azevedo, dentre outros”. (AntônioRoberto Fava para o Jornal da Unicamp)
Fica claro, dessa forma, que
a escrita de Graciliano se formou pela experiência pessoal que ele teve,
inclusive, durante sua prisão, ao formar o magnífico livro Memórias do Cárcere.
Não há portanto, desta forma, qualquer maneira do autor estar sozinho.
Na estrutura, no aprendizado
escolar.
No prefácio do primeiro
volume de Memórias do Cárcere, Nelson Werneck Sodré, editora Record, 2002, nos
dá pista para a forma que talvez tenha gerado a dúvida de meu amigo. Será que
Graciliano Ramos se fez aqui sozinho? Ou seja, Graciliano aqui surgiu já
pronto, como o grande escritor que é? Nelson Werneck Sodré (Memórias do
Cárcere, Volume I, 2002, página 20) assim afirma: “O primeiro, em que aparecem, visíveis a mais simples observação, sinais
da influência de Eça de Queiroz, revelava um romancista de grandes qualidades”.
Poderia afirmar que
Graciliano aprendeu a escrever observando as lavadeiras de Alagoas, mas isso é
apenas um trecho de seu aprendizado. Algo que ele mesmo notou em sua vida, e
que lançou como aprendizado para sua estrutura e sua escrita. Ele afirmou:
“Deve-se
escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício.
Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou
do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil,
ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora
jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais
uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas
dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a
escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar,
brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”.
E isso foi um pragmatismo
que ele realmente adotou. Nelson chegou a afirmar sobre o autor em seu ofício
que “Graciliano Ramos era um trabalhador
lento e difícil, incontentável. Não só escrevia pouco e através de longas
pausas, como corrigia impiedosamente, jamais se contentava com o texto que
lançava em primeira mão”. Escrevia, revisava e corrigia para, novamente,
escrever, revisar e corrigir, em um ciclo que parecia não ter fim. A angústia
de Graciliano Ramos era o de cortar seu texto para que ele viesse a ser o mais
breve possível.
O autor ainda observou a
estrutura gramatical, estudando-a, para formar uma das suas mais célebres
frases: “Liberdade completa ninguém
desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia
de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a
gramática e a lei, ainda nos podemos mexer.”
Há quem possa afirmar, apegando-se
às palavras desta introdução, que o próprio Graciliano poderia ser contra a
forma rígida da estrutura e do aprendizado, mas não pode negar que o mestre
aprendeu a estrutura, a usou de maneira sublime e nos deixou um grande aprendizado
narrativo e intelectual. Podem até
invocar os textos de UrarianoMota que afirmou: “Esses homens
inquietos não escreviam o que escreveram por método ou influência de escola
estética. O que os unifica é o espírito do tempo, que no caso eram as ideias de
esquerda, a influência socialista, o movimento comunista no Brasil, que
refletia o eco de 1917, até mesmo em Palmeira dos Índios, onde vivia Graciliano.”
Até o presente momento,
vimos que Graciliano Ramos teve influência de seu pai, das lavadoras de roupa
de Alagoas, de Eça de Queiroz e do partido socialista. Isso indica que ele não
se fez sozinho, e não nasceu escritor, mas optou por esta profissão e aprendeu
a realiza-la como ninguém. E aprendeu com quem mais, além destes?
Estas influências ficam mais
claras no texto do professor Carlos
Eduardo Berriel, do Departamento de Teoria Literária do Instituto de Estudos da
Linguagem (IEL) da Unicamp. Grande conhecedor da obra de Graciliano ele afirma:
“Como alguns aspectos existentes em seu
estilo literário e as influências que outros escritores exerceram sobre
Graciliano, como Dostoiévsky, Tolstói e Eça de Queiroz, por exemplo, é algo que
merece ser avaliado com mais acuidade”. (Unicamp,mesmo link acima)
Com tudo isso, eu reafirmo
que não existe um escritor que se faça sozinho, pois o homem é um ser social e
vive em comunidade, sendo que uns aprendem com os outros. Acreditar em um
determinismo que diz que uma pessoa “nasce” escritor é um equívoco. A estrutura
maravilhosa de Graciliano Ramos se deve ao seu estudo e sua formação social,
como comprovado nas linhas acima, com diversas influências em cada camada de
socialização do autor (familiar, escolar e profissional). Se Graciliano
tornou-se o que é, um maravilhoso escritor, foi com dedicação, leitura, estudo,
esforço, angústia e relações corretas.
“Demais, a vida,
implacavelmente, deu-lhe a provar todas as suas dores e todas as suas amarguras”
(Nelson Werneck Sodré)