Cuidado! Capítulo com guro e gore, isto é, com cenas de sangue e violência ao estilo dos filmes de terror como Massacre da Serra Elétrica.
Ritos IV
Ritos de ressureição, reencarnação e reconversão
Murdok ainda avalia o exército de mortos que foi formado com os cadáveres da cidade que ele deveria examinar. Após o desaparecimento do demônio, eles todos ficaram parados. Inertes. Não vendo um perigo iminente, Murdok começa a correr de volta para a sua cidade, com muita preocupação em seu coração pelo grito de dor que ele ouvira, quando a boneca que representava a Madre-Sacerdotisa fora destruída por um espinho lançado pelo demônio que engolira uma cidade inteira. Ele começa a suar frio. “Nunca ouvi um grito daqueles vindo de uma sacerdotisa. É assustador!”, pensa ele enquanto cavalga em seu réptil com tanta velocidade que o animal começa a sentir cansaço extremo.
De súbito, de um pedacinho de papel, que um dia fora a figura da Madre, reaparece a nendoroid da Miyako que voa para o ombro do sargento. Ela diz:
--- Murdok, não se preocupe com a Madre! Ela está em segurança! --- entretanto, a voz que se ouve é do Pertos. O que deixa Murdok confuso.
--- Pertos? O que houve aí? Cadê a Miyako? --- indaga o forte soldado.
--- A magia nada usual do demônio a conseguiu ferir de morte. Coisa nada ortodoxa, mas eu não me espanto, considerando que ela veio de um demônio. Miyako estava próxima, junto com as outras sacerdotisas, que estavam dando back-up para os soldados em campo, e ela correu imediatamente para a Madre e evitou o pior. A Madre está descansando nesse momento. --- explica Pertos.
--- E as outras sacerdotisas estão bem? --- pergunta Murdok, enquanto seu réptil-montaria está em vias de morte.
--- Elas estão se abraçando nesse momento, com muito medo. Elas nunca tinham visto uma magia que poderia matar dessa maneira. Nem a Madre a conhecia. Nos nossos tomos místicos, magias desse tipo só conseguiriam ferir, mas nunca causar a morte. --- explica Pertos, que continua. --- Apesar de não temermos a morte, que pode ser desfeita com rituais, nós tememos muito a dor que ela propicia.
A sinceridade do aprendiz faz com que Murdok silencie. Ele nada diz e continua seu trajeto reparando em duas presenças ao longe, distantes de sua cavalgada. São duas sementes invasoras, um troll carregando um antílope-man desacordado. Trolls são criaturas um pouco maiores que goblins, fortes e cruéis. Suas “brincadeiras” geralmente levam a sequestro, tortura e morte. Os antílopes-men são criaturas que lembram cervos. Suas canelas são finas com cascos de dois dedos no final, ao invés de dedos. Eles possuem chifres e são semelhantes aos antílopes, mas com traços mais humanos. Apesar de sua aparência frágil e benéfica, eles são conhecidos como mentirosos e comumente enganam outras espécies para ter algum benefício. Eles possuem braços humanos, tórax humano e rosto humanizado. Não são fortes em combate, mas possuem muita agilidade, com coxas bem desenvolvidas e quadris largos, o que faz com que sejam mensageiros do exército demoníaco. Eles ainda mantêm aquele rabinho ao final do quadril, tanto machos como fêmeas. O Troll o carrega desacordado, com certa facilidade. O colocou no ombro e o mantém seguro pelas pernas, com a vantajosa retaguarda do antílope voltada para a frente e a cabeça do cervo para trás. A união dessas raças se dá ou por medo, ou por algum acordo de conivência. Não existe nesse exército alianças de amizade ou honra. O que os mantêm unidos é a força avassaladora do Lorde Demônio.
Murdok os ignora pensando que, provavelmente, eles conseguiram escapar do cerco a uma das caravanas. Sua missão agora é chegar até sua cidade natal e estabelecer uma estratégia para o combate que se sucederá, porém, ele os observa e vê que o troll está levando o cervo para uma caverna próxima. O sargento não gosta disso e memoriza a localização, deixando para trás um pedaço de papel que outrora fora a nendoroid da Madre. Ele não tem tempo para investigar e apenas segue seu instinto que diz que algo de errado vai acontecer ali.
Após algum tempo, as caravanas chegam até a cidade, seguidas por um Murdok exausto e suado. Todos são recepcionados pela igreja e seus sacerdotes, que estão prontos para auxiliar com comida, canções de cura e conforto de um caloroso abraço. Um simples abraço pode parecer algo inútil, mas para quem experimentou a solidão e a dor, um abraço é a forma mais angelical de receber carinho. Um sacerdote abraça Erusu que, aos poucos, começa a deixar cair lágrimas de seus olhos e os enxuga nas vestes do santo servo. O sacerdote lhe faz um cafuné. Outros sacerdotes começam a colher nomes no livro para o rito de ressureição. A senhora que perdera o filho imediatamente escreve o nome do pequeno falecido nele e deixa cair uma lágrima de alegria. Ela sabe que seu filho, agora, poderá voltar para ela. Ela recebe um abraço de outra sacerdote. O momento é de carinho para com os refugiados.
Bulls se aproxima do suado Murdok e simula um abraço com um beijo, apenas para o provocar, recebendo, em troca, um singelo soco no queixo. Ming lhe dá mais um cascudo. Erusu vê essa cena e pergunta ao padre que está com ele:
--- Bulls e a moça chamada Ming são bem próximos, né?
--- Sim, meu jovem! Ming e Bulls são quase irmãos. Foram criados juntos e decidiram seguir a mesma carreira. Existe um forte laço entre eles, embora eu não saiba dizer ainda qual é. --- responde o padre. Erusu pensa ironicamente: “Meu jovem nada. Sou mais velho que você uns 40 anos!”.
--- Padre, eu tenho uma pergunta sobre a igreja também. Qual a diferença entre bruxas e sacerdotisas? --- pergunta Erusu. Ele, apesar da idade, pouco conviveu com humanos e quase nada sabe de seus costumes ou tradições.
--- A diferença não está na magia, pois conseguimos usar ambas. Diferente de outros reinos e realidades, em que um sacerdote e um mago/bruxo se diferem pelo uso do tipo de magia, em nossa realidade, isso não tem significância. Em termos gerais, o que define um sacerdote de um bruxo é que um sacerdote precisa amar a todos igualmente, já um bruxo escolhe amar uma única pessoa. Para um sacerdote, todos são seus filhos amados. Para um bruxo, só uma pessoa, ou um grupo de pessoas é que tem maior importância em seus corações. --- explica uma certa Miyako se aproximando do Erusu. Ela não consegue ouvir uma pergunta e ficar sem responder. É uma fraqueza dela. --- Prazer, querido, meu nome é Miyako!
--- Ah! Prazer! Meu nome é Erusu. Sou um elfo mestiço e tenho 85 anos! Eu também canto. Minha profissão é ser um bardo! --- diz o elfo se curvando em cumprimento.
“E eu chamei ele de meu jovem! Deve ter ficado com raiva!” pensa o padre sorrindo com vergonha. Imediatamente eles ouvem um Bulls choroso se aproximando.
--- Erusuuuu! O Murdok me bateu! Ele é muito mau! --- diz um soldado gigantesco correndo para abraçar um pequeno elfo adulto. O olhar de susto do elfo já coloca Miyako e Ming para um ataque certeiro, impedindo que o abraço aconteça. Bulls cai ao chão com múltiplos galos na cabeça. O sorriso de vergonha do padre aumenta! Erusu ri timidamente. Ele entendeu o objetivo da cena.
--- Se comporta, Bulls! Ele acabou de chegar e não está acostumado com essas suas piadas. --- diz Ming levantando o Bulls. (Nota do autor. É uma piada do tipo “Os Três Patetas”).
--- Certo! Certo! --- diz Bulls esfregando a cabeça.
--- Não! Eu entendi a piada! Obrigado! --- diz o elfo com um sorriso que ilumina a todos. Miyako, o Padre, Bulls e Ming ficam perplexos com a beleza do sorriso dele. Miyako não se controla e o abraça.
--- Que fofoooooo! ---- grita Miyako. Em outro lugar da cidade Omyarap sente um calafrio.
Murdok se aproxima da sala onde está Omyarap e outros. A princesa resgatada também está presente. Após uma breve conversa, Murdok exibe seu relatório aos chefes. Omyarap explica que eles conseguiram conversar com o guarda, pois ele tinha sido, provavelmente, colocado em um posto fora da área limite da magia anti-comunicação que estava envolvendo a cidade e que estava sendo vigiado pelo espião que, por não notar os sinais de alerta emitidos pelo guarda, presume-se que não seria um soldado treinado, entretanto, deveria ser forte o suficiente para conseguir controlar o guarda. Sua identidade, porém, continuava um mistério. Murdok ressalta que não conseguiu mais informações, todavia, sabia que o exército de mortos estava sendo direcionado para nossa cidade. A princesa então fala:
--- O deserto em questão é o ponto chave! Minha Madre-Sacerdotisa teve um sonho de que o olho de Esper surgiria no deserto. Provavelmente, por outros meios, o exército do Lorde Demônio conseguiu a mesma informação. E isso colocou as nossas cidades no centro da atenção dele. Ele deseja destruir o olho antes que o herói o receba.
--- Princesa, com todo o respeito, não teria sido importante notificar a todos nós sobre esse sonho? Notificar todas as cidades que fazem divisa com o deserto seria importante. --- pergunta um dos generais presentes na reunião.
A princesa para, coloca a mão nos lábios e responde pausadamente:
--- Eu dei ordens para que todos fossem notificados! --- ela, então, conclui. --- Com isso, já sei quem pode ter sido o espião.
A conversa prossegue entre eles, com Omyarap e Murdok se retirando da sala. Murdok pergunta para Omyarap:
--- Ainda não realizou seu level-up?
--- Ainda não, senhor! Vou aguardar o momento certo! --- responde Omyarap. Murdok coça a cabeça e fala:
--- Sei o que planeja, mas nada garante que isso venha a ser uma boa estratégia! Acho até burrice! --- conclui o sargento. Omyarap nada responde. Apenas fica em silêncio refletindo. Murdok vê uma sacerdotisa passando e a interpela.
--- Sacerdotisa! --- grita Murdok assustando a coitada da freira que dá um pulinho. --- Desculpe assustá-la. Preciso de um favor de alguém da igreja. Verifique essas coordenadas. Até deixei um pedaço de talismã por perto para servir de condutor.
Murdok explica para a sacerdotisa o que estava ocorrendo e ela aceita ajudar. “Um pedaço de talismã? Por um acaso ele acha que eu sou um gênio como a Miyako?” pensa ela enquanto se retira. Murdok também passa nos aposentos da Madre-Sacerdotisa que está em repouso. Lá ele encontra Pertos.
--- A Madre está em repouso e nada pode fazer no momento. --- lamenta Pertos. --- Se eu fosse mais aplicado à magia, eu poderia quebrar essa maldição!
--- Maldição? --- se assusta Murdok.
--- Sim, a adaga tinha uma maldição nela. A Miyako a colocou em sono constante para que ela não sentisse. Nem mesmo a Miyako conseguiu quebrar essa maldição. --- lamenta Pertos novamente. --- Mas não se preocupe, senhor Murdok, que a igreja chamou quem pode quebrar essa maldição. Ela deve chegar em alguns instantes.
Murdok fica se indagando quem poderia ser tal pessoa capaz de quebrar a maldição lançada por um demônio de alta classe. A indagação não demora muito para ser esclarecida e, quando ele ouve um tumulto do lado de fora da igreja, ele vê pela janela, saindo de um portal místico, uma jovem de cabelos ruivos e com cachos. Seu semblante era como o próprio fogo e sua beleza era como um sol que resplandece. Em suas mãos um cajado dourado e suas vestes de seda eram brancas e puras. Ela possui tanto poder que somente a presença dela, no pátio da igreja, foi suficiente para exorcizar demônios que estavam próximos aos muros da cidade. Murdok, então, exclama:
--- A Primeira-Sacerdotisa! Aquela que acompanha o herói em sua jornada! Isso significa que o herói está aqui também? --- pergunta um Murdok que, nesse momento, parece mais uma criança que acabou de ver um astro de futebol na sua frente.
Pertos sorri de alívio. Uma grande heroína dispondo de seu tempo para ajudar uma Madre, de uma cidade perto de um deserto, era algo que Pertos temia que não fosse ocorrer. A Primeira-Sacerdotisa vai imediatamente para o quarto da Madre, sendo conduzida pela Miyako pelo caminho. Murdok, em direção oposta, se cruza com elas. A Primeira-Sacerdotisa sussurra: “O herói está no deserto agora!”. Murdok se espanta. Ela conseguiu ouvi-lo do pátio. Ela sorri e continua andando.
Já perto dos portões da cidade, Murdok se posiciona com seu batalhão para ouvir seu comandante. Um guerreiro de cabelos grisalhos, barba bem branca e longa e uma barriga de cerveja. Apesar de seu porte não demonstrar, o capitão Kirk era um excelente comandante. Suas palavras ressoam:
---- Atenção a todos! Uma batalha se aproxima. Não somente nossa cidade está em perigo, mas cidades vizinhas também. É questão de alguns momentos para que um exército de mortos rasteje até nossos muros e tente tomar nossas famílias! Vamos deixar?
--- Não, senhor! --- Ouve-se uma estrondosa resposta de todo o batalhão!
--- Um exército é serviçal da segurança dos filhos de sua pátria. É dever dos soldados a luta e o sacrifício, se preciso for, para defender suas famílias, filhos e netos. E nós somos a espada à serviço da segurança! Ninguém passará pelo fio de nossa navalha para tomar o que é nosso! --- grita o comandante.
--- Ninguém tomará o que é nosso! --- grita o exército em uníssono!
--- E não estamos sozinhos! Centauros, Elfos, Harpias, Lamias, Homens, Mulheres, saibam agora, todos vocês que lutam conosco, que a Primeira-Sacerdotisa e o Herói aqui estão! A nossa luta é a deles. A luta deles é a nossa! Não nos renderemos!
--- URRRAAAAA! --- gritam todos!
Após o fim do discurso os batalhões se posicionam. De dentro da igreja, as sacerdotisas começam a enviar suas nendoroids para ocupar suas posições dentro de cada batalhão, menos a Miyako que decidiu ir pessoalmente com o grupo dela. Mesmo com medo de serem atacadas através de suas figuras, as sacerdotisas juntam coragem para o combate.
Com seu grupo, a Miyako pensa: “Que droga! Eu acabei perdendo!”. Vendo o desânimo de sua amada, Omyarap pergunta:
--- O que houve?
--- Não foi nada, amor! --- desconversa Miyako. --- Eu te conto em casa!
O grupo da Miyako é composto por ela, Omyarap, Murdok, Ming e Bulls. Miyako e Ming se estranharam quando se conheceram pela primeira vez, alguns meses atrás, mas agora são amigas de trocar segredos. O grupo basicamente luta com Murdok e Omyarap na linha de frente, Bulls dando cobertura como escudo, Miyako com magias e Ming como retaguarda que protege a maga/sacerdotisa.
Já os refugiados foram colocados dentro dos muros da cidade. Erusu canta para tirar a tensão dos civis e tentar tornar o ambiente mais relaxado. O exército se dividiu em dois grupos. Um grupo mais avançado que colocará o combate no terreno adversário, ou seja, o deserto, e outro grupo que ficará como retaguarda e proteção da cidade. O grupo do Omyarap ficou com a primeira missão e enfrentará de frente a ameaça dos soldados mortos. Enquanto essa ameaça não for derrotada, não poderão fazer o ritual de ressureição. É importante afastar o demônio do território.
O combate se inicia prontamente. Miyako aumenta as habilidades de seu grupo com uma magia de level-up. Bulls se coloca na frente da Miyako, com Ming escondida atrás dele, usando sua habilidade de escudo para protegê-las e ocultá-las. Murdok e Omyarap avançam com tudo o que eles têm. As “cem lâminas” foi o primeiro ataque de Murdok. Omyarap avança com cortes múltiplos. Ambos lançam um ataque devastador, sendo observados de perto pela sacerdotisa que mantêm suas habilidades e energias no máximo, através de seus cânticos de recuperação e level-up. O cântico de uma sacerdotisa é tão encantador quanto o cântico de uma sereia. Um grupo de mortos tenta atacar pela retaguarda, mas Ming surge os aniquilando com sua dança de espadas ciganas. Ela logo volta para as sombras do escudo. A intenção do escudo é manter a assassina, Ming, oculta, para um ataque mais eficiente de suas espadas. O escudo, por sua vez, não defende apenas a retaguarda, mas consegue emitir escudos de energia que vão evitando ferimentos em Murdok e Omyarap e, com isso, evitando também sobrecarregar a sacerdotisa. É um grupo bem treinado e que vai avançando contra o exército de mortos.
Em um outro lugar, distante dos olhos de outras pessoas, o demônio do abismo observa tudo. Nas suas costas surge um cavaleiro com armadura dourada, segurando uma espada. Ao seu lado, uma nendoroid com asinhas, parecendo uma anjinha ruiva. A figura coloca um escudo de proteção em torno do jovem rapaz, que tem cabelos cinza e possui um olhar muito forte. O escudo, então, se expande e se torna uma dimensão que envolve os três. Agora, eles são capazes de lutar diminuindo os efeitos da luta no mundo físico. Entretanto, um pouco dos efeitos da luta poderão ser sentidos. "Eles poderão ainda serem vistos, sentidos, mas como se estivessem em um aquário, eles não poderão fazer muito estrago na realidade física do deserto. Só um pouco de dano deverá ser sentido, mas considerando que as duas figuras são o herói, e um demônio que aniquilou uma cidade inteira, qualquer regra estabelecida pode ser quebrada", pensa a Primeira-Sacerdotisa preocupada com o deserto e a batalha que se desenrola em outra parte da região.
--- Que honra, herói! --- diz o demônio que não fez questão de resistir ao encanto da sacerdotisa.
O herói não diz nada, mas a nendoroid sim.
--- Só você mesmo para me fazer ter um trabalho duplo! --- reclama a Primeira-Sacerdotisa para o herói. Ela está defendendo o herói e tirando a maldição da Madre ao mesmo tempo. --- Ah, poderia ter esperado um pouco. Como vou me concentrar em dois trabalhos ao mesmo tempo?
O herói sorri, enquanto luta, e sussurra: “Desculpe! Eu sei que você é capaz até mais do que isso!”.
--- Humpf! Eu sei disso e vou te provar! Vou tirar essa maldição em um instante e já me teleporto para aí, para te ajudar pessoalmente! --- diz a Primeira-Sacerdotisa com um sorriso tímido no rosto pelo elogio recebido.
O demônio de primeira classe e o herói lutam em um nível que fariam desaparecer todo o exército ao redor. Somente a intenção de luta de ambos já está sendo suficiente para derrubar rochas e dividir o terreno em pedaços. Os seus golpes concretos estão fazendo um estrago ainda maior. O herói consegue lutar assim e consegue liberar seu poder sabendo que não fará tanto dano ao ambiente. O demônio sanguinário ataca com muita fúria. É uma luta de titãs, que a Miyako consegue sentir à distância e começa a ter calafrios de medo. "O deserto desaparecerá se essa luta continuar por muito tempo. A areia em torno dos dois está em chamas e isso que eu estou tentando conter o estrago. Não esperava menos do poder do herói. Meu feitiço foi quase inútil!", pensa a Primeira-Sacerdotisa se lamentando.
Todo esse barulho chega a acordar, dentro da caverna, o homem-antílope e ele percebe que está preso. Suas mãos estão amarradas para trás, seu rosto está amordaçado e suas pernas estão amarradas para cima. Ele tenta se soltar em vão. O seu longo e esguio pescoço está acorrentado ao chão e ele não consegue usar os chifres por estar de ponta-cabeça. Ele ouve uma risada. O troll que o prendeu diz:
--- Acordou? Eu não gosto muito de sua raça! Pelo menos vocês servem para fazer couro! E couro rende um bom dinheiro! He he he!
Ele se assusta com essa declaração do troll. Apesar de não terem ligação nenhuma, apenas o medo do poder do Lorde Demônio, ele não esperava esse tipo de traição. O homem-antílope tenta soltar suas pernas, sacudindo seus pés com apenas dois dedos, mas é inútil. Ele está bem amarrado. E, nesse momento, ele se lembra, o troll já tirou o couro dele vivo antes. Enquanto os dois exércitos se aprontavam para o combate, o troll o levou até uma caverna, o despiu, amarrou suas pernas e o deixou de ponta-cabeça. Depois que retirou a sua carcaça, ainda vivo, o ressuscitou. As lembranças fazem o homem-antílope tentar fugir, sem sucesso. Ele apenas deixou o troll ainda mais satisfeito.
--- Essa sua bundona mexendo assim é uma tentação! Ka Ka Ka KA Ka! --- diz o troll enquanto recolhe o couro já retirado. --- A magia de ressureição é uma magia de lucro. Eu te tiro o couro, te mato, te ressuscito e você volta inteirinho, com couro e tudo. Isso é uma máquina de riqueza! Kak Ka Ka KA! E só preciso garantir que você não fuja e sou bom com cordas e nós, então, pode se debater à vontade. Eu até gosto de ver! Ka Ka KA KA!
O homem-antílope está apavorado. Ele pensa: “Que droga! Eu só queria fazer uma grana fácil. Aproveitar a confusão da guerra e pilhar algumas casas e ganhar um dinheiro revendendo o que consegui. Eu não esperava isso. Que droga!”, pensa ele chorando. Seu arrependimento começa a aparecer. Ele olha para baixo e vê a quantidade de sangue derramado. “Aaah, eu me lembro. Ele já fez isso três vezes. Então é assim que as sementes ruins se tratam! Que monte de cretinos!”
Ali perto, bem escondida, e chorando, está a nendoroid da sacerdotisa enviada pelo Murdok para a cena em questão. Ela chora ao ver essa cena e treme de medo da maldade do troll. Ela sabe que precisa agir, mas não sabe como ainda. O troll ergueu uma barreira ao redor dele e do homem-antílope, que impede magias de certo nível. Para a surpresa da sacerdotisa, o troll é usuário de magia negra de alto nível. Magias que ela poderia usar não são capazes de ajudar o bestial amarrado. Ela não pode pedir auxílio de ninguém. Suas amigas estão concentradas dando back-up para a guerra que acontece. A Madre está em sono induzido e a Primeira-Sacerdotisa está em duas lutas ao mesmo tempo. Ela não tem como pedir ajuda nesse momento a ninguém. Ela pensa: “Maldito, Murdok! Como me deixa numa situação assim?”.
Ela, então, ouve o sussurro da Primeira-Sacerdotisa: “Lembre do conto do sacerdote do orfanato e tenha fé na oração!”. Apesar da batalha que ela está travando, a sacerdotisa começa a notar que a Primeira-Sacerdotisa não está apenas em duas batalhas, mas ela está ajudando todas as sacerdotisas que estão em campo nesse momento. Ela luta a batalha de todas, ao lado de cada uma delas, como se fosse um anjo a guardar a igreja como um todo. O sentimento que emana dela reconforta a sacerdotisa que Murdok escolheu para esse trabalho. Ela, então, enxuga as lágrimas e se concentra em sua figura. “Não importa se esse troll pode usar magia avançada. Eu não vou perder para ele”.
O troll avança novamente contra o homem-antílope amarrado e indefeso. Ele balança o facão com sadismo e sorri com muita maldade. O bestial nada pode fazer se não apenas observar. De canto de olho, ele nota a nendoroid avançando. A magia do troll começa a queimar a boneca e a consumir o talismã, mas a boneca se coloca entre os dois. O troll se surpreende e avança com o facão. A nendoroid faz uma oração singela:
--- Deus Ex Machina! --- a simples oração é baseada em um conto de um sacerdote que, depois de ver seu orfanato ser ameaçado, conseguiu alcançar o poder próximo a do Deus Absoluto, para proteger suas crianças. A determinação de proteger alguém, ou alguma coisa, o fez iluminar ao ponto de transcender. Não foi o vazio que o elevou, mas foi o amor. Nesse momento, o próprio Deus Absoluto criou essa expressão. Se alguém em dificuldades orar com fé, receberá a ajuda desse sacerdote, pois é uma ordem do Deus Absoluto! Só existe uma condição, que o Deus Absoluto colocou para equilibrar as energias: a oração só pode ser usada uma vez em cada cidade, a cada ano.
Um ser se forma no lugar da nendoroid. Um sacerdote de barba negra, óculos e uma batina negra extensa que chega a cobrir o chão. É um usuário de magia que consegue quebrar os escudos de magia avançada do troll. O troll ainda tenta se defender, mas logo se percebe amarrado no lugar do homem-antílope.
--- Troll, eu te sentencio ao ciclo cármico de repetição de dor. Toda a dor que você fez ao homem-antílope, você sentirá repetidas vezes! Você nunca morrerá de fato, pois existe coisa pior que a morte: a condenação ao inferno! E eu te sentencio! --- diz o homem. O troll, então, é jogado em nesse inferno de repetição de dor. Nunca morrerá e sempre sentirá a dor de ter seu couro arrancado vivo.
O sacerdote, então, ampara o enfraquecido homem-antílope e desaparece junto com ele. A nendoroid retorna ao seu estado original e não vê mais ninguém dentro da caverna. Sua missão foi concluída. A sacerdotisa, então, chora de alívio e desmaia. A luta prossegue nos outros dois campos de batalha, com todos dando o seu melhor. O exército consegue derrotar os soldados mortos e o herói, em seguida, consegue desferir o golpe final contra o demônio de classe superior, liquidando com a questão em definitivo. Quando a sacerdotisa acorda, a Madre está com ela e elas estão juntas em repouso no hospital da igreja.
--- Madre, como está a senhora? --- pergunta ela.
--- Ora, ora! Mesmo nesse estado, você se preocupa primeiro comigo! Fico lisonjeada! Obrigada, meu bem, eu estou bem! ---- diz a Madre.
--- Eu nunca pensei que um mundo em que a morte não é definitiva pudesse ser tão cruel. --- continua a sacerdotisa com lágrimas nos olhos ao relembrar o que tinha ocorrido com o homem-antílope.
--- O mundo pode estar cruel, mas não foi planejado para ser assim. Um dia, essas lágrimas secarão e não haverá mais tristeza e nem ranger de dentes. É promessa do Deus Absoluto!
--- Sim! Quero batalhar para que esse dia chegue logo para todos nós! Para todos nós! --- diz a sacerdotisa colocando a manga da camisola no rosto, escondendo as lágrimas. A Madre faz silêncio nesse momento.
Enquanto isso, em uma dimensão superior, perto de um poço no qual essas cenas estão sendo exibidas, está o sacerdote que transcendeu e ele está mostrando essa cena ao homem-antílope que, comovido, diz:
--- Mesmo eu tendo roubado. Mesmo ela não me conhecendo. Ela chora por mim!
--- O mundo poderia ser assim apenas. Um dia, segundo diz nosso Deus, será assim: cheio de compaixão. Nunca mais teremos dor. Principalmente a dor pelo qual você passou. --- diz o homem colocando a mão na cabeça do homem-antílope.
O homem-antílope (com suas vestes) repara ao seu redor e pergunta:
--- Que lugar é esse?
Aqui é onde eu cuido dos que não podem ressuscitar pelo rito tradicional, pois não existe quem escreva o nome deles no livro do templo. Eles já foram há muito esquecidos. O homem-antílope se surpreende e pergunta:
--- E você traz um inimigo aqui?
--- Não sinto em você um inimigo real. A dor que você foi forçado a passar mudou a sua semente um pouco e você começou um processo de reconversão. Sinto em ti um rito de mudança. Uma semente que retornará ao Deus Absoluto.
O homem-antílope silencia sem conseguir dizer nada. Ao redor dele, algumas crianças brincam, alguns adultos conversam e o sacerdote o acompanha. Ele pergunta:
--- Eles estão presos aqui?
--- Viu? Você começou a se preocupar com eles. É um sinal de mudança. --- sorri o sacerdote para um homem-antílope que desvia o olhar. --- Não estão presos. Estão esperando. Os que não podem ressuscitar, reencarnarão e terão uma nova oportunidade. O que Deus Absoluto deseja é que todos possam alcançar a felicidade e, para isso, não poupa esforços para ajudar. E eu os protejo!
--- Como eu faço para voltar ao mundo terreno?
--- Em breve, você retornará! Até lá, fique aqui! Vamos jogar um xadrez, enquanto tomamos um chá! --- diz o sacerdote.
--- Obrigado! Não sei jogar xadrez, mas aceito o chá se for verde!
Enquanto isso, no plano terreno, na cidade. Murdok e seus aliados estão retornando cansados e sujos, sendo recebidos por um Erusu sorridente. Bulls até tenta correr para o Erusu, mas é contido pela Ming. O herói, no deserto, recebe o olho de Esper justamente na caverna onde o homem-antílope era mantido em cativeiro. A Primeira-Sacerdotisa está realizando o ritual de ressureição no lugar da Madre que está em repouso e sem a maldição. Pertos a auxilia. (Nota do autor: a concepção do ritual de ressureição, eu me inspirei no ritual de agradecimento aos antepassados da Seicho-no-ie. Um ritual com cânticos e leitura de Sutra Sagrada. É algo muito lindo que eu presenciei. Ao imaginar o ritual, eu logo pensei nessa atmosfera de respeito e oração)
Nesse instante, uma pequena alma se materializa quando tem seu nome chamado. É o bravo garoto que havia sido cortado em dois pelo ogro. Sua mãe nem o espera sair do altar e corre para abraçá-lo. A Primeira-Sacerdotisa ignora o fato da quebra da liturgia, e Pertos tenta tirar os dois de lá para que a cerimônia prossiga. A família novamente unida se abraça.
--- Viu tudo isso? Todos eles enfrentam essa dor, esse mundo confuso, com esperança em um futuro melhor. É isso que os faz fortes. É a força do sorriso deles. --- diz o sacerdote de barba negra ao antílope que apenas observa e responde:
--- Eu quero não somente crer nesse futuro, mas quero participar dele. Não apenas isso. Eu desejo contribuir para que esse futuro seja possível. --- responde um homem-antílope com sua semente já com certo brilho.
FIM